quinta-feira, 26 de março de 2015

De muitas ribeiras feito


Ali, na serra da Lousã, mais de metade da floresta foi de pinheiro bravo (pinus pinaster). Na segunda metade do séc. XX, foi alastrando o eucalipto (eucalyptus). Dispersos, contam-se ainda o castanheiro (castanea sativa) e vários quercus, como os sobreiros e carvalhos. Noutras eras, podem ter sido  o revestimento natural da serra. 


Após os grandes incêndios, a floresta parece recuperar. Ilusão: nada voltou a ser como dantes. Agora, o verde revela-se adocicado em vastos tons de amarelo e sustenta-se à custa de invasivas  como a mimosa (acacia dealbata), uma ameaça precocemente florida, conflituante para com o revestimento antigo. 



Alastram os campos e aldeias abandonados. Mas é  no fundo dos acentuados declives onde correm linhas de água, nos patamares adjacentes e, fora da zona de montanha, nas várzeas, onde ainda se cultiva o milho, feijão ou a  batata e pequenos pomares de cerejeiras, figueiras, nogueiras. 


Perto, mas em zonas já quase inacessíveis, ainda é possível encontrar sugestões do antigo revestimento natural do solo: azevinhos, fetos-reais, medronheiros, sabugueiros, loureiros, salgueiros. Nas dobras menos abruptas do terreno escondem-se ribeiros. Aí, a vegetação rasteira e arbustiva é mais abundante e, por vezes, só a relaxante música  aquática provocada pelo encontro das águas com diversos travamentos naturais - calhaus, rochas, troncos, ramos - denuncia a sua jovial presença. 



Perto do termo do percurso montanhoso, a ribeira de S. João mostra figura. O machado de guerra, tantas vezes erguido em defesa de um certo entendimento da justa divisão das águas, permanecerá  enterrado bem fundo, tão esquecido como a gesta heróica do povo que lutou pela sobrevivência, domesticando a paisagem. Indiferente aos cálculos dos visitantes que displicentemente alvitram projectos turísticos de êxito seguro, cedo irá mudar-se em rio, o Arouce e, um pouco mais adiante, já por entre várzeas cultivadas, encontrará a margem esquerda do rio Ceira, em Foz do Arouce. Mais a jusante, as suas águas mestiçadas, encontram "as doces e claras águas do Mondego", o grande rio inteiramente português e quando passarem por Coimbra - cidade dita do conhecimento - quem haverá para evocar os seus afluentes e subafluentes, quem fará justiça à ribeira de S. João? 

quinta-feira, 5 de março de 2015

À ESCALA de LILLIPUT


Últimos dias do passado Fevereiro. Céu carregado de nuvens, ameaçando chuva. Sopra uma aragem muito fria. Ainda assim, continuamos - a minha mulher e eu - subindo a encosta desde o vale do Arouce em direcção à Ermida de Nossa Senhora da Piedade. O acesso foi sendo escavado na rocha pelo menos desde os séculos XIII e XIV, época da construção da maior das capelas - a capela de S. João. Ladeiam-no formações de xisto onde às vezes conseguem instalar-se espécies do género Quercus, como o carvalho alvarinho, o carvalho negral e o sobreiro. Mas a minha atenção, pela manifesta exuberância, foca-se em espécies de um mundo de outra escala: musgos, líquenes e  algas terrestres. 


Vou registando. Até que sou conduzido à vista de um pequeno patamar, apenas acessível até aos bordos. Ali, a novidade é o inesperado da cor quente de uma flor sobre o fundo de incontáveis tonalidades de verde. Por largos momentos esqueço os musgos.


Que planta e que flor! Em pleno inverno, no alto de um monte batido pelos ventos bem frios e, às vezes, também pela neve, instalada sobre a rocha contando apenas com a humidade atmosférica e com a que os musgos conseguem reter. 
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Flor e o caule não são tudo. Malgrado os esforços não consegui registar as folhas ao nível da base. Apenas com estes dados, até onde pode avançar o leigo na identificação da planta? À partida, diria, "ranunculus". Mas a flor do "ranunculus" mostra-se de 5 pétalas, o que não é manifestamente o caso. Ranúnculo de 7 pétalas? Não é impossível. 


Resta-me o apelo aos possíveis leitores que, por generosidade, queiram dar o seu contributo. Aqui deixo, desde já, o meu muito obrigado.